domingo, 17 de setembro de 2017

Entrevista com Mauro Prais e o título de 1970 (17/09)

Entrevista do Jornalista Alexandre Mesquita para o Netvasco em 2010


Como foi sua experiência com aquela conquista de 70? 

Tenho muitas lembranças vívidas daquela campanha. Eu tinha de 13 para 14 anos e pela primeira vez tinha a permissão para ir a estádios na companhia de amigos, sem meu pai ou um outro adulto. Hoje em dia isso seria uma temeridade. O meu interesse por futebol e pelo Vasco, que já era grande há vários anos, se intensificou com a conquista da Copa no México. Antes e durante o Campeonato Carioca se falava muito em quem seria o campeão do ano do tri, e foi motivo de orgulho que tenha sido o Vasco, mesmo sem ter cedido nenhum jogador para a Seleção tricampeã mundial. 

Quais eram suas expectativas? 

Minhas expectativas eram mínimas no início e foram crescendo na medida em que o Vasco foi vencendo os jogos e assumindo a liderança. Honestamente, antes do campeonato começar, não havia motivos para a torcida estar otimista. A campanha na Taça Guanabara tinha sido medíocre e obviamente o time tinha debilidades na defesa e principalmente no ataque. Mas o Tim era um técnico muito sagaz, foi mudando algumas peças, fazendo ajustes e, já com o campeonato em andamento, conseguiu dar conjunto a uma equipe que, embora fosse tecnicamente limitada, era unida, motivada e soube honrar a camisa. Alias, o Tim foi o técnico que eu vi que melhor sabia mexer no time durante o jogo. 

Qual era a atmosfera que era sentida por vc? 

Havia um certo descrédito geral em relação às chances do Vasco, mesmo quando o time alcançou a liderança, e mesmo depois dos primeiros jogos do returno quem não era vascaíno parecia achar que era uma questão de tempo o Vasco cair na tabela, pois ainda faltavam os quatro clássicos, o primeiro deles contra o Flamengo. Depois da vitória épica nesse confronto, num dia de muita chuva em que o Valfrido fez o famoso gol da poça d’água, é que se criou uma atmosfera de confiança no título por parte dos torcedores vascaínos. Mas para as torcidas adversárias e meios de comunicação, acho que a ficha só caiu quando só faltavam três rodadas, com o Vasco firme na liderança e Fluminense e América ainda com alguma chance. 

O que achava dos atletas? 

A força da equipe era a parte coletiva, muito bem comandada pelo Tim e se sentia que havia uma organização bem montada e uma comissão técnica competente. Os atletas eram unidos e esforçados como poucas vezes se havia visto nos últimos anos. O time possuía uma espinha dorsal bastante razoável, onde se destacavam tecnicamente o maravilhoso goleiro Andrada e o talentoso e experiente atacante Silva. O “Batuta” estava numa forma exuberante, se movimentando, abrindo espaços, recuando para armar e penetrando para concluir jogadas. Os laterais Fidélis e Eberval e o meio-campo formado por Alcir e Buglê, que era o capitão do time, fizeram um ótimo campeonato, jamais deixando a desejar no desempenho das suas funções. O ponto de desconfiança era o zagueiro Renê, que era imprevisível, capaz de fazer tanto jogadas excelentes como gols contra bisonhos. Mas todos jogavam com muita raça e dava gosto ver o esforço dos pontas Luís Carlos e Gílson Nunes, incansáveis, recuando para ajudar o meio-campo quando o Vasco não tinha a posse de bola e avançando quando o Vasco partia para o ataque, a raça do Valfrido, que superava uma certa falta de intimidade com a bola com muito espírito de luta e faro de gol, e a autoridade com que se impunham os zagueiros Moacir e o próprio Renê, verdadeiros xerifes na área. Durante o campeonato estreou o Ademir (aquele que fez o primeiro gol na final do Campeonato Brasileiro de 1974), que era um meia armador canhoto, mas entrava no decorrer das partidas na ponta esquerda, fazendo aquele falso ponta do 4-3-3 que era marca registrada do esquema tático do Zagalo que tanto sucesso fez na Copa de 1970 e anteriormente no Botafogo. 

Como viu o decorrer do campeonato? 

O Vasco começando desacreditado, sempre correndo por fora, enquanto que os favoritos Botafogo e Fluminense tropeçavam aqui e ali e o América, sempre perigoso, largava na frente e morria na praia como sempre. No turno o Vasco empatou com os dois favoritos e perdeu para o América, mas uma vitória sobre o Flamengo na penúltima rodada, com um gol do Silva no finalzinho, manteve o time no páreo. A partir daquele jogo, o time emplacou uma sequência de vitórias, assumiu a liderança, e no returno embalou de vez quando ganhou do Flamengo novamente. Só foi perder na última rodada quando já tinha o título assegurado e tudo era festa. 

Se fez presente nos jogos? 

Estive presente em mais da metade dos jogos, inclusive um contra a Portuguesa na Ilha e um contra o Olaria que foi disputado em Teixeira de Castro, estádio do Bonsucesso, e não na rua Bariri como seria de se esperar. Nesses o meu pai não foi. Fui com amigos, de ônibus. O Vasco disputou apenas dois jogos em São Januário, um na estreia contra o Bonsucesso e outro numa quarta à noite, se não me engano contra o São Cristóvão, e não fomos a nenhum dos dois. Quase todos os outros jogos foram no Maracanã, onde íamos a pé. Os clássicos, fomos a todos menos um, justamente o do gol da poça d’água, contra o Flamengo, não que o temporal nos desencorajasse, mas por motivo de saúde, uma pequena cirurgia para remover uma inflamação no dedo indicador, que me impediu de comparecer às duas primeiras rodadas do returno, o primeiro jogo contra o Olaria no Maracanã o segundo essa vitória sobre o Flamengo. Vários jogos da campanha foram muito marcantes. Até mesmo a derrota para o América no turno, por causa do gol fantástico marcado pelo Silva, partindo de antes da linha de meio de campo e driblando mais de meio time do América, sendo a seguir aplaudido pela torcida do Vasco toda de pé, uma ovação como se ele fosse um virtuose que tivesse executado um concerto de música clássica. O Vasco acabou perdendo por 3 a 1, mas aquele golaço ficou na memória. A primeira vez na minha vida que eu compareci a um estádio que não fosse o Maracanã ou São Januário foi a vitória sobre o Olaria em Teixeira de Castro, no turno, que foi suadíssima, tanto no sentido figurado como no sentido literal, pois a arquibancada estava apinhada, numa tarde de sábado, e fazia um calor dos diabos. Foi um sofrimento, o Olaria armou uma retranca terrível e o Vasco não jogava bem, mas no segundo tempo veio o golzinho salvador do Alcir. Me lembro de um empate terrível contra o Campo Grande, onde eu fui de geral na companhia de amigos e ficamos os 90 minutos atrás do gol defendido pelo goleiro do Campo Grande, chamado Sanchez, que fez defesas impossíveis e segurou o 0 a 0. Já na reta final, os jogos contra Madureira e Campo Grande foram preliminares de um Fla-Flu e Flamengo x América respectivamente, e claro que as torcidas adversárias torciam contra, para o Vasco perder a liderança que tinha naquela altura. Lembro-me de permanecermos naquele Fla-Flu para torcer pelo Fla, já que o Flu era nosso concorrente direto e o Fla já estava fora do páreo, mas não adiantou. Mas foi uma boa lição: torcer para eles não compensa nunca. A vitória contra o América na antepenúltima rodada foi para mim tão emocionante quanto a vitória sobre o Botafogo na rodada seguinte, que garantiu o título antecipado. Essa foi emocionante pela iminência do título e pela euforia depois do jogo. Mas contra o América, que ainda lutava por uma pequena chance de chegar ao título e havia sido o único adversário a derrotar o Vasco até aquela altura, havia a sensação de que era o jogo chave, que colocaria o Vasco com a mão na taça. E o Vasco jogou muito, teve a sua melhor atuação em todo o campeonato, em que pese um gol contra de placa do Renê – se é que um gol contra pode ser de placa -, que foi querer atrasar do meio do campo para o Andrada, que estava na linha da grande área, e acabou encobrindo o espantado goleiro, que ainda deu inutilmente uma corrida de volta para o gol . O murmúrio de desespero nas arquibancadas foi indescritível. E finalmente, a festa da entrega das faixas no último jogo foi linda, com o Maracanã tomado pela torcida do Vasco, que ia até quase atrás do gol do lado da torcida do Flu. Havia feixes de bolas de gás em toda parte, colorindo o estádio, e foram soltas simultaneamente quando o time entrou em campo sob a ovação da torcida. 

Sentiu aquela conquista como um "cala-boca" aos adversários? 

Um pouco, talvez, porque o título colocava um fim naquela história de jejum, mas sinceramente o sentimento predominante era a alegria de ver pela primeira vez o Vasco conquistar o campeonato carioca. Porque no de 1958, que foi decidido em janeiro de 1959, eu já era nascido, mas não tinha feito dois anos ainda. 

Mas eu fiquei com a sensação de ter dado um "cala-boca" nos meus colegas de escola não-vascaínos quando o Vasco venceu o Flamengo no turno. Naquela época a Loteria Esportiva era uma novidade, tinha começado logo antes da Copa, e na minha turma da escola a gente fazia um concurso interno, com cada um apostando um trocado do dinheiro da merenda e aquele que fizesse mais pontos ganhava a bolada. Naquela semana eu fui o ganhador por ter sido o único que tinha cravado a vitória do Vasco sobre o Flamengo. Foi o pontinho que fez a diferença. 

Havia mesmo um peso desse jejum de Carioca ou a conquista da Taça GB em 65 e do Rio-SP em 66 já haviam amenizado essa estória? 

Havia um peso sim. Havia a gozação dos torcedores adversários por cause desse jejum, que era mencionado pela imprensa todo ano, e piorou quando o Vasco esteve na bica para vencer em 1968 mas perdeu para o Botafogo na última rodada. O Vasco nunca tinha ficado tanto tempo sem ser campeão carioca antes, ao contrario dos outros, que já tinham passado 11 anos no mínimo sem título – o Botafogo muito mais até. O Vasco tinha ficado no máximo 8 anos, de 1936 a 45. E o campeonato de 1970 era crítico nessa estatística, pois se o Vasco não ganhasse em 1970 completaria 12 anos, ultrapassando Fla e Flu. 

Na conquista da primeira Taça GB, em 1965, eu senti a emoção de pela primeira vez gritar "é campeão" na saída do estádio. A Taça GB era glamurosa e especialmente a primeira competição foi muito valorizada, mas o significado que tinha um Campeonato Carioca era muito maior que hoje. Qualquer torcedor preferia ser campeão carioca que ganhar um Rio-São Paulo, Taça Brasil ou até uma Libertadores, quanto mais uma Taça GB. Então aquela conquista de 1965 não havia amenizado nem um pouco a ansiedade da espera por um título do Carioca. 


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