Há 100 anos o Vasco
disputava uma partida histórica
Em meados da década de 1910 o futebol
e o remo rivalizavam o coração dos esportistas no Brasil. No Vasco a hegemonia
das regatas continuava inabalável apesar da criação do time de futebol em 1916.
No ano seguinte o clube subia para a Segunda Divisão e disputaria acirradas
partidas nos campos dos mais diversos lugares da cidade. Uma partida marcante
foi com um tradicional rival das regatas: o Boqueirão.
O jogo
terminaria com a vitória de 3 a 0 e a promoção inédita de uma festa inigualável
por toda a cidade com o desfile em carros abertos percorrendo as principais
ruas da Capital juntando os jogadores de futebol com os atletas do remo, e mais
centenas de torcedores e associados vascaínos.
Aquela
peleja não foi mais uma do campeonato, foi o jogo decisivo que uniu para sempre
os vascaínos adeptos do futebol com os conservadores atletas e associados
vascaínos que desejavam ver o clube atrelado somente ao remo. Naquela época o
Club de Regatas Vasco da Gama era a maior potência do remo carioca, sendo o
clube mais vencedor até então, com destaque para o tricampeonato em 1912, 13 e
14.
A péssima campanha do time vascaíno em
1916 (somente uma vitória e a estréia desastrosa com a derrota por 10 a 1), era
o principal argumento dos defensores do remo. Havia uma resistência muito forte
no interior do clube para que o futebol fosse deixado de lado. No entanto, ocorria
uma popularidade crescente do futebol por toda a cidade do Rio de Janeiro, com
o surgimento de vários clubes, inclusive com a formação de times de clubes
tradicionais de remo, como Flamengo (1912), Icaraí e o próprio Boqueirão.
Entre os remadores havia o preconceito
com os jogadores de futebol, considerado “esporte de estudantes ou
desocupados”. Para os torcedores vascaínos, o desafio era ainda maior. O
cronista Álvaro Nascimento, um dos maiores entusiastas da formação da torcida
vascaína nos estádios de futebol, relembrou no Jornal dos Sports dos anos 1960
o clima de animosidade que envolvia as partidas: “as novas gerações vascaínas
desconhecem quão grande foi o esforço, a dedicação de homens modestos para
entregar-lhes esse Vasco poderoso de nossos dias ... um punhado de dedicados
vascaínos que, com sol ou chuva, nos campos suburbanos, constituía a ‘policia
de choque’ a dar garantia e segurança as nossas representações".
Outro importante personagem daquela época, o
ex-atleta Adão Brandão, autor do primeiro gol do Vasco em 1916, afirmava que
essa desconfiança acabou neste jogo, em setembro de 1917, quando o time do
Vasco vence o Boqueirão do Passeio[1]. O “ ódio era tão grande que uns e outros quase não se falavam.
E esse ódio só terminou em 1917, quando o Vasco se reabilitou definitivamente
aos olhos dos remadores, vencendo, em partida magnífica, um dos maiores
adversários do Vasco em todos os esportes”.
Como faziam sempre os jogadores saíram
desse jogo e voltavam para a sede na rua Santa Luzia. Foi então que “os
jogadores de futebol tiveram a maior surpresa de toda a sua vida quando
chegaram no clube. A Comissão de Futebol, com Cascadura, Narciso Basto,
Fonsequinha e Pascoal Pontes estava desconfiada, mas a alegria dos jogadores
era tamanha que eles resolveram entrar no clube dando vivas ao Vasco. Mas nem
chegaram a entrar. Os remadores, na porta, de remo em punho, os obrigaram a
entrar em carros abertos - e só então eles repararam nos carros - e foram fazer
uma passeata pela cidade, irmanados, craques de futebol e remadores”, relembrou
Adão em entrevista para o Jornal dos Sports em 1952.
Também começava a se formar um grupo aguerrido para defender os
torcedores vascaínos nos jogos em que a torcida adversária quisesse intimidar
os nossos adeptos. Era o grupo do “Lasca o Pau”, formado por remadores e
lutadores dispostos a defender nosso pavilhão no braço. Como fato inédito, na
época, quem chefiava essa Torcida Organizada era Dona Josefa Pereira (primeira
Chefe de Torcida do Vasco), irmã Manuel Pereira, proprietário de uma casa de
Tecidos[2]. “Como
brigava a Dona Josefa Pereira”, escreveu Álvaro Nascimento em crônica de 1968.
Em 1917 o Vasco não conquistou nenhum título, mas o caminho para a
glória conjunta nos dois tradicionais esportes estava aberto. Nos próximos anos
não faltariam motivos para a música da Unidos da Tijuca (1998), exaltando o
“campeão de terra e mar”, ser o nosso traço definitivo.
[1]
O sucesso do time vascaíno de futebol chegava as revistas esportivas. Na semana
seguinte ao jogo eram divulgadas as fotos do time na Revista Vida Sportiva.
Talvez sejam as primeiras imagens do futebol nas revistas esportivas cariocas.
[2] relata
Álvaro do Nascimento Rodrigues, o Zé de São Januário, em sua coluna Uma
Pedrinha na Chuteira do Jornal dos Sports em 21 de Agosto de 1968.
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