quarta-feira, 17 de maio de 2017

pesquisadoras vascaínas - Leda Costa

Em sua infância, quais são suas lembranças de futebol?
Lembranças de futebol que tenho é meu pai ouvindo No Mundo da Bola, um programa esportivo da rádio nacional aqui no Rio de Janeiro, que era bem famoso. Meu pai fumava demais e dormia muito tarde, e eu o acompanhava ouvindo rádio. Esse foi meu primeiro contato com futebol, ainda distante do jogo. Meu primeiro contato, de fato, seria na Copa do Mundo de 1982, em que eu torci e fiquei bastante triste com a eliminação do Brasil. Em 1986, também foi um momento marcante, mas foram contatos ainda periféricos e mediados pela seleção brasileira. Só quando eu fiz 15 anos é que comecei a ficar bastante obcecada pelo Vasco e consequentemente por futebol. Eu já era vascaína, mas não era obcecada.
Essa é uma história um pouco trágica… Meu irmão faleceu quando tinha 15 anos. Era mais velho do que eu e meu único irmão. Ficou um clima difícil lá em casa, minha mãe e meu pai ficaram fora de si, e eu, sozinha. Precisava de algum modo parar de pensar naquele momento e ressignificar a vida, dar sentido à existência, porque minha vida ficou muito abalada. Meu irmão morreu em 89, e aquele foi um ano muito bom para o Vasco. Foi nesse ano que o Bebeto foi contratado. Então, eu juntei duas paixões: ouvir programa de rádio de futebol e acompanhar notícias e jogos do Vasco. “Será que o Bebeto vem mesmo para o Vasco? Vem, vem, vem!”. E veio. Comecei a ver jogos do Vasco seguidamente pela televisão, num momento em que ela passou a dar mais atenção ao futebol. Aquilo, para mim, virou uma distração, e passei a esquecer um pouco aquele problema familiar que me assombrava.
Nesse mesmo ano de 1989, o Vasco foi campeão brasileiro. Lembro-me que vi a final numa TV pequenininha, em preto e branco, do Sorato fazendo gol contra o São Paulo… A vitória é um elemento importante para o torcedor, e eu fiquei mais apaixonada ainda do que já era… Em 2008, dediquei minha tese de doutorado ao Vasco, colocando que ele era meu melhor amigo. Sou uma pessoa que teve uma criação… não rígida, mas que não me possibilitou estar na rua ou ter uma vivência de rua. Então, demorei a fazer amigos, a me sociabilizar. Isso juntou com minha tendência a timidez. E o Vasco foi, de fato, meu único e melhor amigo durante muito tempo.
Nessa relação com o clube, você ia aos jogos?
Isso é fascinante, porque eu demorei demais para ir aos jogos. Eu só comecei a frequentar estádios nos anos 2000, quando já tinha trinta e tantos anos. O que significa que perdi os melhores momentos do Vasco, perdi a final da Copa João Havelange no Maracanã, perdi a queda do alambrado em São Januário. E minha frequência nos estádios começou pelo Maracanã. Demorei mais ainda para frequentar São Januário. Se hoje eu frequento bastante, sou fascinada e enlouquecida por estádios, acho que em grande medida é para compensar os anos que não fui. Escrevi recentemente um texto sobre a relação das mulheres com a arquibancada e eu me lembrei de um poema de uma portuguesa que disse que quando morresse ela voltaria para resgatar todo o tempo que ela viveu longe do mar. Ela tem um caderno de poesias sobre o mar. E eu vivo assim: para resgatar todo o tempo que vivi longe das arquibancadas.
Enquanto eu assistia os jogos pela TV, pensava: “Eu quero estar ali!”. Só que uma série de conjunções de minha vida pessoal não permitiu, e isso só foi permitido nos anos 2000, que coincide com o fato de eu estudar na UERJ, de eu ser monitora e de minha sala de monitoria ser em frente ao Maracanã. Aí ficou uma coisa irreversível. Aquele imaginário de medo que existe um pouco ainda: “Não, você é mulher. Não vai ao Maracanã, porque é perigoso. O Rio é muito perigoso!”. Eu nasci no subúrbio mesmo, no subúrbio de Rocha Miranda, distante, perto de Madureira. Então, não era muito simples chegar ao Maracanã como é hoje, né?! Hoje é simples, tem metrô em diversos cantos do subúrbio do Rio. Em minha época, tinha de pegar o ônibus 711 e passar por dentro de perigosos bairros do Rio de Janeiro para chegar ao Maracanã. Ir não era o problema, a volta, sim. “Como eu vou voltar de lá? Como vou voltar às 21 horas? E quem vai comigo?”, eu me perguntava.
Não fui criada num ambiente de amigos ou familiares que frequentassem estádios. Meu pai não frequentava… Ele gostava, mas não era fanático igual a mim, não! Ele levava numa boa. Tem algumas derrotas do Vasco… Imagine você passar a década de 80 com o Flamengo tendo um timaço e o Vasco… Eu teria tido mil crises. Ele, não, levava numa boa, brincava. Não é dele que vem esse meu fanatismo, é de minha tendência a ser… apegada a várias coisas que deem sentido à minha vida. Meu fanatismo vem como uma espécie de agradecimento pelo Vasco ter me salvado da tristeza.

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